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Hora certa de tomar remédio pode aumentar eficácia
Data de publicação: 28 de outubro de 2014
Ao longo do dia, os organismos da grande maioria dos seres vivos da Terra apresentam oscilações em sua atividade como resposta a um “relógio” biológico interno. Conhecido como ciclo circadiano, ele permite que suas fisiologias se adaptem às transições entre dias e noites, regulando processos que nos seres humanos incluem o sono, a atividade locomotora, a pressão sanguínea, a temperatura corporal e a produção de hormônios, entre outros. Mas os diferentes órgãos e tecidos de nossos corpos não batem em uníssono com o tique-taque desse relógio. Assim, dependendo de como atuam ou onde são metabolizados os remédios, existem horas ideais para sua administração. É a chamada cronoterapia, uma nascente abordagem da medicina que busca sincronizar a ação de medicamentos aos ritmos do corpo a fim de aumentar sua eficácia e melhorar seus resultados, ao mesmo tempo em que reduz as doses e os riscos de interações entre drogas. Essa estratégia acaba de ganhar um importante reforço com a publicação do primeiro e mais completo atlas das oscilações de atividade corporal — em camundongos, mas potencialmente replicáveis em nós.
Pesquisa foi um esforço de cinco anos
Pesquisa foi um esforço de cinco anos
Fruto de um esforço de cinco anos de pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, o estudo publicado na edição desta semana do periódico científico americano “Proceedings of the National Academy of Sciences” (PNAS) não só identificou quais genes desses animais têm sua atividade influenciada pelo ciclo circadiano como determinou as partes do corpo e os horários em que eles ficam mais ou menos ativos. A fim de efetivamente medir a potencial aplicação em humanos, os cientistas relacionaram os dados com a atuação dos cem remédios mais vendidos no mercado dos Estados Unidos e os 250 listados como essenciais pela Organização Mundial de Saúde (OMS), demonstrando quais poderiam se beneficiar com a abordagem da cronoterapia.
— Muitas dessas drogas têm vida média relativamente curta no corpo — destaca John Hogenesch, professor da universidade e um dos líderes da pesquisa, que sugere que o cruzamento dos dados desse atlas com informações já conhecidas sobre a ação dos medicamentos avaliados permitiria identificar quais deles mais se beneficiariam de uma administração sincronizada com os diferentes ritmos corporais. — Eles seriam essencialmente os medicamentos que têm como alvo os produtos do comportamento rítmico desses genes, isto é, as proteínas que eles produzem.
Segundo os pesquisadores, nada menos que 56 dos cem remédios mais vendidos nos Estados Unidos — e 119 dos 250 considerados essenciais pela OMS — agem sobre produtos ou processos regulados por esses chamados “genes rítmicos”. Além disso, 23 dos 56 medicamentos no topo da lista do ranking americano que têm seus alvos controlados por esses genes têm meia-vida inferior a seis horas, isto é, mantêm níveis terapêuticos de concentração no sangue abaixo desse intervalo de tema, o que os torna mais sujeitos às variações da atividade deles sob influência do relógio biológico.
Estatinas são um exemplo
No estudo, os cientistas citam como exemplos disso as estatinas, drogas usadas para a redução das taxas de colesterol, e as baixas dosagens de aspirina utilizadas para a prevenção de infartos. Em ambos os casos, eles sugerem que as doses desses medicamentos sejam administradas à noite, já que a pesquisa indica que é nesse horário que os genes relacionados à sua ação estão mais ativos nas células da chamada “gordura marrom”, tipo de tecido adiposo que é o primeiro a ser “queimado” pelo corpo para obtenção de energia, e do próprio coração.
— Não se sabia que muitos dos alvos dessas drogas são regulados pelo relógio biológico, assim como muitas enzimas metabólicas e transportadoras — conta Hogenesch. — E, como isso nunca foi levado em conta, poucos desses remédios tiveram suas eficácia, metabolização e toxicidade avaliadas de acordo com a hora do dia.
Para montar o atlas, os pesquisadores primeiro usaram um banco de dados que reúne 19.788 genes dos camundongos que, sabe-se, codificam a produção de proteínas. Eles então acompanharam sua expressão, isto é, a efetiva produção das proteínas, em 12 órgãos e tecidos dos animais, descobrindo que 43% apresentam algum nível de comportamento rítmico. Com isso, os cientistas também puderam identificar que partes do corpo têm sua atividade mais ou menos influenciada por este comportamento. De acordo com o levantamento, o figado é onde se concentra o maior número desses genes rítmicos — 3.186 —, enquanto a região cerebral do hipotálamo é onde eles estão menos expressos, com 642.
— O genoma está sob um controle muito maior do relógio biológico do que se imaginava antes — diz Michael Hughes, outro dos líderes da pesquisa na Universidade da Pensilvânia e hoje professor da Universidade do Missouri em St. Louis. — Como poucos órgãos já tinham sido estudados sob esta perspectiva anteriormente, tínhamos apenas uma imagem parcial disso, mas agora temos o levantamento mais completo até o momento.
Organismo tem duas "horas do rush"
No estudo, os pesquisadores também mostraram que o organismo dos camundongos, e provavelmente o dos humanos também, tem duas “horas do rush” em que muitos dos genes rítmicos atingem o pico de sua atividade de transcrição, ou seja, a leitura do seu DNA e tradução deste para cadeias de RNA, que por sua vez dizem às células que proteínas devem produzir. Não muito surpreendentemente, estes horários de pico acontecem pouco antes do alvorecer e do crepúsculo, justamente os momentos de transição da noite para o dia e vice-versa.
Segundo Hogenesch, embora estudos sobre os horários ideais para a administração de remédios remontem a 40 anos, com sucessos relativos em áreas como a quimioterapia, as estatinas de ação rápida e a aspirina na prevenção de enfartes, a maior parte deles foi feita na base da “tentativa e erro”.
— Agora, porém, sabemos que alvos das drogas estão sob o controle do relógio biológico e quais são seus ciclos no corpo — diz. — Isso fornece uma boa oportunidade para prospectarmos cada vez mais a cronoterapia.
De acordo com Hogenesch, o próximo passo de sua equipe será aplicar o conhecimento adquirido em modelos animais específicos para avaliar se a administração de medicamentos sincronizada com o ritmo de atividade do organismo de fato melhoram sua eficácia. A partir disso, ele espera que futuros e rigorosos estudos clínicos acabem por determinar a hora certa para tomar cada um dos remédios que poderiam se beneficiar disso tanto na lista dos mais vendidos nos EUA quanto na dos considerados como essenciais pela OMS.
Fonte: O Globo
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