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O tratamento da obesidade, doença que atinge 500 milhões de pessoas em todo o mundo, tem ganhado fôlego e despertado também alguma polêmica com a emergência de novos atores nesse cenário: os hormônios. Com a descoberta de substâncias químicas que regulam o apetite, a sensação de saciedade e a fabricação de tecido adiposo, a cada nova publicação na área, a comunidade médica convive com novas hipóteses para o ganho e a manutenção de peso.
Recentemente, em artigo publicado na revista norte-americana Nature, uma das mais respeitadas publicações científicas da atualidade, o colunista e especialista em História da Ciência Kirsten Lara Getchell reacendeu a discussão. No artigo, Getchell afirma que o tratamento da epidemia da obesidade tem falhado porque se dá extrema importância ao conceito de “comer muito, gastar pouco” e menos à teoria de que o problema envolve uma disfunção hormonal.
“A hipótese do ‘comer demais e gastar pouco’ falhou”, diz ele, ao afirmar que é preciso estudar mais o papel dos hormônios no metabolismo e na sua capacidade de regular quando temos fome e quando devemos ficar saciados. “É preciso tratar a obesidade não como um fenômeno físico [no sentido de gasto versus consumo de energia], mas algo fisiológico.”
Causas diversas
De acordo com o endocrinologista do Centro de Diabetes do Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba, André Gustavo Vianna, a ciência tem avançado no entendimento do problema desde que foi descoberta a ligação dos hormônios da glândula tireoide e da insulina com a regulação da velocidade do metabolismo e do acúmulo de gordura no corpo, respectivamente.
O médico, porém, diz que é temerário afirmar que a obesidade tem esta ou aquela causa específica. “A obesidade ocorre por vários fatores. Há pessoas que comem mal, não fazem exercícios e engordam porque gastam pouco daquilo que comem. Outras, mesmo com uma vida desregrada, por fatores ainda não muito explicados, têm um metabolismo mais rápido e não engordam.”
A endocrinologista do Laboratório Frischmann, Myrna Campagnoli, afirma que é errôneo entender as disfunções endócrinas como causas da obesidade, uma vez que apenas 5% de todos os casos da doenças são causados por fatores hormonais e/ou genéticos. “Estudos mostram que 95% dos casos são fruto simplesmente de uma vida sedentária e de erros alimentares. O que ocorre é que, uma vez obesa, ocorrem alterações hormonais no corpo que podem fazer com que esse quadro se perpetue, ou seja, é um fator de manutenção da doença”, explica.
Causa ou efeito, eis a questão
Um hormônio que está comprovadamente ligado à obesidade é a insulina. Ela é responsável por estocar glicose dentro das células, e em excesso, pode transformar parte dessa glicose em gordura. Outros hormônios, como a grelina, leptina e irisina, começam a ter seu papel desvendado, mas ainda é cedo para afirmar sua relação direta com o problema.
“Observa-se que uma pessoa obesa pode produzir mais ou menos um hormônio, mas não se pode dizer com certeza se isso é uma causa ou um efeito da obesidade”, diz o endocrinologista Henrique de Lacerda Suplicy, do Hospital de Clínicas das Universidade Federal do Paraná.
Exemplos
Conheça alguns hormônios que já foram associados à obesidade:
Insulina: Tal relação é conhecida há cerca de 50 anos. A insulina é o hormônio responsável por estocar glicose dentro das células, que utilizarão esse carboidrato como fonte de energia para a realização de suas funções vitais. Com o excesso do hormônio, mais glicose é estocada, e a glicose ‘extra’ se transforma em tecido adiposo (gordura), processo chamado de lipogênese.
Hormônios da tireoide: Como regulam a velocidade do metabolismo, a deficiência desses hormônios pode tornar a atividade metabólica mais lenta e, por consequência, diminuir o gasto de energia do corpo, gerando acúmulo de gordura. Também já é comprovada tal relação.
Cortisol: Há estudos conclusivos que mostram que o excesso de cortisol (conhecido como o hormônio do estresse) no sangue dificulta a quebra da gordura e facilita a lipogênese. Também desregula a produção de insulina, outro hormônio associado à produção de gordura. Ele é responsável principalmente pela produção de gordura visceral, aquela que se acumula na barriga.
Leptina: Descoberto há 15 anos, esse hormônio produzido pelas células do tecido adiposo tem efeito anorexígeno. Ele diminui o apetite, pois manda um recado ao cérebro informando-o de que há energia suficiente estocada, pronta para ser gasta, e que por isso o indivíduo não precisa comer mais. Pessoas obesas possuem grandes quantidades de leptina, mas o problema é que desenvolvem resistência a este hormônio, que não consegue realizar tal função de comunicação com o hipotálamo.
Grelina: Descoberto em 1999, tem efeito contrário ao da leptina, pois estimula a fome. É produzido no estômago, num local chamado fundo gástrico, o que explica por que pessoas que se submeteram à cirurgia bariátrica, ou seja, retiraram essa parte do estômago, passam a ter menos fome e emagrecem. O que intriga é que obesos produzem menos grelina do que os magros, mas parecem ser mais sensíveis às variações de sua taxa no sangue.
Irisina: O papel deste hormônio foi descoberto em 2012. A irisina tem a capacidade de transformar a gordura branca em gordura marrom. Esta última tem mais mitocôndrias, logo, maior capacidade de queimar calorias, diminuindo o estoque de tecido adiposo. É como se o hormônio simulasse no corpo os resultados da atividade física. Obesos teriam mais resistência à irisina, mas esta é somente uma das hipóteses.
Cautela
Exercícios e alimentação balanceada ainda são melhor forma de evitar acúmulo de peso
De acordo com os médicos, não é totalmente infundada a ideia de que os hormônios têm seu papel na obesidade, pelo contrário. O receio é que se dê muita ênfase neste aspecto e se esqueça de que uma vida ativa e uma alimentação balanceada ainda são a melhor forma comprovada de se evitar o acúmulo de peso que leva a uma patologia -- responsável por 2,8 milhões de mortes anuais, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
"A obesidade é uma espécie de inflamação que se instala primeiro nas células da pele e depois em órgãos como o fígado. Quando você come um fast-food, por exemplo, há mais de 30 proteínas de inflamação na comida. No caso da irisina, viu-se que ela tem seu nível aumentado no corpo após três semanas de exercícios, diminuindo a atividade inflamatória", explica a endocrinologista do Hospital Pilar Ernestina Auache. Segundo ela, isso mostra que um aspecto está ligado a outro.
Por fim, muitas vezes, nem sempre o que se pressupõe ocorre de fato, daí o perigo de apostar todas as fichas em um hormônio capaz de explicar tudo e resolver os problemas por meio da sua sintetização em laboratório. Um exemplo, como explica a endocrinologista do Hospital Marcelino Champagnat Tatiana Lemos, ocorreu com a leptina. "Como ela diminui a fome, começaram a usá-la em paciente obesos, mas não deu certo. Constatou-se depois que eles têm até mais leptina do que os magros, com a diferença de que neles há resistência".
Fontes: André Gustavo Vianna (Hospital Nossa Senhora das Graças), Ernestina Auache (Hospital Pilar), Henrique de Lacerda Suplicy (HC-UFPR), Myrna Campagnoli (Laboratórios Frischmann), Tatiana Munhoz Lemos (Hospital Marcelino Champagnat).
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